Tijolo por Tijolo constrói uma narrativa bifurcada, que se entrelaça por meio da empatia do espectador
Tijolo por Tijolo documenta a vida de Cris Martins e sua família durante o período de seu quarta gestação, após serem extremamente afetados pela pandemia de COVID em 2020. Ao perderem seus empregos, Cris e o marido se deparam com outro problema: a casa em que vivem precisa ser demolida e reconstruída pois corre risco de desabamento. Sem dinheiro para custear a construção de uma nova casa, os personagens dessa história precisam se desdobrar e reinventar para fazer as coisas acontecerem.
Victória Alves e Quentin Delaroche habilmente traçam duas linhas narrativas, uma que nos encanta pelo carisma infinito da família de Cris e Albert e outra que dialoga com as situações provenientes dos recortes de classe e gênero. Enquanto acompanhamos os vlogs do queridíssimo Caique, observamos a batalha emocional e física de Cris contra sua quarta gravidez. Para além disso, ela também luta para conseguir uma laqueadura. Enquanto vemos Cris promover um encontro para empoderar mulheres através de ensaios fotográficos, vemos Albert empilhar tijolos da mesma forma que aprendeu a fazer com vídeos no YouTube. E ao decorrer de todo o longa essas idas e vindas nos colocam numa posição de passageiros da agonia, que empatizam com a família e torcem para que tudo dê certo.
Como forma de sobrevivência, Cris se encontra nas redes sociais, cumprindo o papel de influencer. Mas não para por aí, ela transforma sua mãe e seu marido também em produtores de conteúdo, se aproveitando de planos de captação de criadores por parte de plataformas de vídeos. E é com o dinheiro dos vídeos que eles passam a sobreviver e dar continuidade na construção de sua casa.
Os personagens de Tijolo por Tijolo são sonhadores, isso fica claro na figura do menino Caique, que sonha em “ser rico e ser médico”. Que acorda feliz pois sonhou com um sonho realizado. Também na figura de Cris, que sonha com o momento em que todos os seus filhos estarão criados e que ela poderá viajar, coisa que nunca teve oportunidade de fazer pois passou e ainda passará grande parte da vida cuidando de sua família. Realidade que se reflete em milhões de outras mães mundo afora. Cris briga por seu direito de fazer uma cesariana, por seu direito de fazer laqueadura, e se expõe como reflexo de uma sociedade que não permite que mulheres façam escolhas sobre seus próprios corpos.
Quando é chegada a hora do nascimento da pequena Yasmin, Cris explode em lágrimas. Lágrimas que exprimem um misto gigante de sentimentos. Do amor materno infindável ao sentimento de desespero que ela já conhece bem ao colocar mais uma pessoa no mundo para criar e sustentar em meio ao caos que sua vida se encontra. Lágrimas de uma mãe que não teve escolha, e que mesmo assim demonstra destreza para fazer de tudo.
Talvez a principal (e mais acertada) decisão tomada pela dupla de diretores aqui tenha sido escolher se ausentar quase por completo, deixando assim um espaço confortável para que os documentados tomassem conta da narrativa por si próprios na medida do possível. Tanto que parte das imagens utilizadas no longa foram feitas por eles próprios com seus celulares. Para uma família que se afeiçoou às câmeras e tornou isso seu sustento, ser filmado por outras pessoas é tarefa simples, e realizada com maestria.
Este filme esteve presente na mostra Competitiva Nacional do 13º Olhar de Cinema, Festival Internacional de Curitiba, no ano de 2024.
Tijolo por Tijolo (2024)
Tijolo por Tijolo
Documentário
|102 minutos
Direção: Victória Alves, Quentin Delaroche
Elenco: Cris Martins, Albert Ventura, Caique de Souza Ventura
Produzido em: Brasil
Sobre Marcus Dudeque
Marcus é aspirante a crítico de cinema e estudante de jornalismo. Já estuda a arte por conta desde 2022, mas é fã de cinema desde que nasceu.