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Retrato de um Certo Oriente (2024) | Crítica

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Marcus Dudeque

· 4 minutos para ler
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Retrato de um Certo Oriente acena para uma boa história de reínicio de vida, mas entrega sentimentos confusos e desconexos

Retrato de um Certo Oriente conta a história de dois irmãos libaneses que, principalmente influenciados pelo medo do irmão ser convocado para a guerra, decidem imigrar para o Brasil, onde supostamente teriam a oportunidade de recomeçar a vida após a morte de seus pais. O filme já começa de forma extremamente dramática, com Emir, o irmão, indo retirar sua irmã, Emillie, de um convento de freiras. Para isso ele utiliza uma arma e ameaça suicidar-se caso não pudesse ir embora com Emillie.

Olhando pelo prisma dessa breve sinopse e assistindo aos primeiros minutos do filme, era natural esperar uma história cheia de percalços e dificuldades, já que logo após decidirem partir para o Brasil, Emir entra clandestinamente no navio que os levaria ao Brasil e é obrigado a ficar confinado em sua cabine por toda a viagem. Enquanto Emir sofre com o exílio, Emillie aproveita a viagem e acaba se apaixonando por outro libanês, mas um muçulmano. Essa dualidade entre os dois irmãos se alongaria por toda a história. Enquanto Emillie passa a enxergar com bons olhos a mudança para essa nova vida, Emir, que foi quem idealizou o plano, parece cada vez mais reticente.

Emir, diferentemente de sua irmã, parece estar longe de superar a morte dos pais, que foram assassinados numa tentativa de assalto, ao que o filme indica. Apesar de tanto buscar uma vida nova, não parece conseguir se desvencilhar de sua antiga vida no Líbano, deixando de lado oportunidades que se apresentaram (a acenada para um romance homoafetivo sendo a principal delas). Já Emillie, que foi praticamente coagida a aceitar sua ida ao Brasil, enxerga e abraça as situações que aparecem à sua frente.

Omar, personagem pelo qual Emillie se apaixona, parece ser um grande catalisador do processo de ambos os irmãos. Devido ao fato de ser muçulmano, Emir nutre forte preconceito e jamais teve apreço por ele, já desde o navio. Até o grande primeiro acontecimento do filme, a relação entre os dois é de muita animosidade. Enquanto para Emillie, Omar significa o ínicio de uma nova vida, para Emir ele representa um fantasma do passado, principalmente por acreditar que muçulmanos foram responsáveis pela morte de seus pais. Através do longa, Omar passa a se compadecer mais com Emir e tenta fazê-lo se sentir confortável, principalmente por entender que os irmãos têm uma ligação forte, e Emir fazer parte da vida deles é essencial para Emillie.

Emir fica mais e mais perturbado conforme o tempo passa. Marcelo Gomes não traduz todo esse sentimento de angústia e paranoia para a tela. O interesse do diretor parece ser o tempo todo o de deixar tudo bonito e mostrar o quanto as coisas estão indo bem pra Emillie que está prestes a se casar, enquanto Emir e suas questões são praticamente escanteados. Iluminação bastante artificial, planos perfeitamente calculados e a fotografia preto e branca não conversam em nada com esse que parecia ser o tema do filme, mas vira quase como um empecilho em seu decorrer. Muito reforçado pela escolha do realizador ao final do longa de mostrar fotos do casamento com uma foto de Emir perdida entre elas, como se fosse, de fato, algo no caminho da vida deles.

Embora a construção dessa relação dicotômica seja bem feita, Gomes parece não conseguir sincronizar bem seu roteiro com sua fotografia e montagem. Os planos longos, poucos cortes, quase sempre alternando somente o objeto a ser focado, nos oferecem contemplação. E, para ser justo, o filme é recheado de planos lindos com suas belezas sendo realçadas pela fotografia sem cores. Mas, assim como em Roma, de Alfonso Cuarón, a fotografia não só é puramente cosmética, como vai totalmente de encontro com o retrato que o filme busca construir de uma tragédia. Em dois momentos catárticos do filme em que grandes acontecimentos para o rumo da história acontecem, somos presenteados com planos belos, um recorte pacífico da natureza ou uma bela paisagem. O sentimento gerado é de estranheza, acima de tudo. O que eu deveria sentir, afinal?

Esse filme foi a abertura do 13º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, no ano de 2024.

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Retrato de um Certo Oriente (2024)

Retrato de um Certo Oriente

Drama

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92 minutos

Direção: Marcelo Gomes

Elenco: Wafa’a Celine Halawi, Charbel Kamel, Zakaria Kaakour, Eros Galbiati, Rosa Peixoto

Produzido em: Brasil, Itália, Líbano

#drama#olhardecinema2024#festivais
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Sobre Marcus Dudeque

Marcus é aspirante a crítico de cinema e estudante de jornalismo. Já estuda a arte por conta desde 2022, mas é fã de cinema desde que nasceu.